A interrogação

Eu sempre senti que havia fogo em suas palavras, havia prepotência, e ela queria brincar. Eu sabia disso porque ela o deixava bem claro todas as vezes que olhava para mim e eu hesitava em lhe fazer perguntas, mesmo me roendo por dentro, mesmo que aquilo me causasse uma explosão de coisas sem explicações e controvérsias.
Entre todos os plurais, eu diria que ela era o mais singular, porque ela tinha aquelas características absurdamente imensas, mas era apenas uma pessoa, e eu me perguntava se era possível tanta singularidade em um plural, ou eu diria tanto plural em uma singularidade?!
- Diga-me, o que você é? - Perguntei finalmente após transbordar em sonhos ao olhar no fundo dos seus olhos. Acredito que ela tenha percebido que aquela situação de curiosidade conseguia me deixar desesperado, mas também eu não conseguia esconder ou fingir.
- Eu sou sentimentos. – Ela respondeu mirando bem em mim, como se me analisasse da cabeça aos pés, como se conseguisse perceber os infindáveis botões que havia na minha camisa e soubesse que meu cabelo não havia sido bem penteado naquele dia. Eu fiquei em estado de choque, não poderia acreditar que ela fosse sentimentos, mas também não conseguia discordar simplesmente porque ela me fazia sentir. Havia tanto tempo que eu não sentia, que eu preferia não sentir, que eu impedi que meu corpo fizesse contemplações ao amor e a qualquer coisa que a ele estivesse ligado. Fiz isso porque um dia eu já senti demais, já senti as invasões que a dor poderia fazer a um ser humano e rasgá-lo interiormente em partes por milhão sem direito a corte ou costura.
Eu não conseguia falar absolutamente mais nada, e ela continuava a me olhar. Estávamos sentados em um banco que sempre fazia companhia à solidão, olhávamos o andar das nuvens pelo vasto céu, olhávamos como o cheiro da liberdade era intenso logo cedo pela manhã, mas apesar disso tudo, tinha algo que ainda me intrigava, ou seja, ela.
Havíamos nos visto umas três vezes ou quatro, sempre de passagem, e o incrível é que em todas as suas passagens ela deixava um cheiro que eu não havia sentido há muito tempo, e eu não conseguia reconhecer esse cheiro, mas ele com certeza me fazia lembrar momentos, coisas, músicas, movimentos e luzes.
Meu Deus, havíamos nos visto umas três ou quatro vezes, agora estávamos ali, só eu, ela e as explicações. Como se não bastasse, ela agora olha para mim de um modo ainda mais intenso, mais perigoso, confesso estar com as pernas tremendo, mas ao invés de atitudes saem palavras da sua boca:
- E você... Quem é? Ou melhor, o que é? – Ela perguntou abrindo um sorriso esplendoroso e escaldante, e afirmo que perguntou isso sabendo e correndo o risco de que talvez eu não conseguisse responder, não porque eu a considerasse estranha, mas é porque eu não sabia.
- Eu sou uma pergunta. – Não entendi bem o que aconteceu depois de eu ter respondido isso, ela só continuou rindo como se soubesse o que eu iria responder, e depois que eu respondi me senti em paz, completo pela companhia daquela estranha que conseguia me fazer sentir. Ela se levantou como num pulo, puxou-me e me olhou confusa, e me beijou.
A interrogação sumiu depois de ter sido invadida pela exclamação dos sentimentos.
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