sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A caneta tintilante




A caneta tintila entre as cores abstratas do papel, a caneca de café do lado esquerdo da mesa ousa se aproximar friamente para lembrar que está esperando que alguém tire dela mais um gole, as cartas ainda não abertas estão em cima do criado-mudo, a louça suja desistiu de chamar alguém para limpá-la, a cama desarrumada ainda com cheiros, suor, lençóis e edredons chama atenção, a poeira em cima do raque grita, a barba que tomou de conta aos poucos, tornou meu rosto irreconhecível e acrescentou uns anos ainda não ganhos à minha existência. Os quadros mudos me olham, eu, mudo, olho-os também. Com uma caixa de cereal quase vazia, continuo comendo aguardando esperançosamente encontrar sobriedade no final do pacote como brinde. Não encontro. Levo outro gole de café à minha boca, deixo com que meus lábios se agraciem delicadamente pelo sabor deixando-os umedecidos, engulo. Ouço novamente a caneta tintilando sobre o papel, chamando-me para uma contemplação farta e espontânea dos meus breves pensamentos insanos, idéias descompassadas e inquietantes. Começo a perceber a sincronização paciente que tenho ao lidar com os meus dias, ao lidar com a bagunça apavorante da minha casa – e queria eu que fosse só da minha casa, mas minha imparcialidade social chamada vida, vai junto. Eu apenas deixo – . Eu olho pra ela, ela me olha, não posso dizer se orgulhosa ou se curiosa, se enfurecida ou compreensiva, mas ela me olha calmamente e sem desvios, como se quisesse me passar mundos através do ato. Acho que a vida me quer de alguma forma, não importa qual, por que senão, qual seria a lógica para tanta troca de olhares? Eu não sei por onde começar, em termos de organização eu sou falho e irracional, eu não conseguiria funcionar com tudo nos seus devidos lugares, porque o lugar de cada coisa está em se perder na bagunça dos meus pensamentos. Não tenho espaço emocional para tanta vida, para querer a vida como ela me quer, preciso de um tempo para que o ócio seja meu companheiro, que a solidão seja minha guia, que a escuridão seja meu conforto por não me fazer enxergar o que eu não quero no momento, que a caneta titilante e o papel com as cores abstratas sejam meus melhores amigos, e que o café que acalma minha impaciência e desperta minha alma seja meu único vício. Farto e satisfeito de pequenas coisas que no momento me preenchem, de mentiras que não me abusam, de verdades à minha espera, eu sopro a poeira em cima do raque para tudo poder recomeçar. Eu irei enfrentar encontros e desencontros, mas me entenda que no momento o que estou fazendo é me modificar, me tornar uma poupança de força, porque futuramente eu irei usá-la desmedidamente. Por todos esses motivos, eu apenas deixo...

Isllane Letícia Rodrigues Barboza

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Mundo Leitor

É um mundo de palavras
rimadas ou não
pensadas, faladas
escondidas no coração

Mundo que é mágico
faz ser real a imaginação
Mundo que sonhei
E cantei numa canção

Mundo que é capaz
de me tirar daqui
Mundo que me dá paz
Pra dentro de mim posso fugir

Neste mundo me encontro
E as palavras me fazem um favor
Aqui eu sempre viverei
Aqui é o meu Mundo Leitor!


Autora: Dâmaris Góes

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