quinta-feira, 14 de julho de 2011

Finning

Conheça o histórico dessa prática insustentável



Texto de Marcelo Szpilman



Muito se fala sobre a prática do finning, mas poucos sabem quando essa crendice surgiu e como ela evoluiu a ponto de ameaçar a sobrevivência de dezenas de espécies de tubarões ao redor do Planeta. Para combater essa sandice perversa, é preciso conhecê-la. E nada melhor do que começar pelo início.





A Origem do Consumo de Nadadeiras de Tubarão



Durante a Dinastia Sung, entre 960 e 1279, um pequeno grupo da elite chinesa começou a consumir uma espécie de macarrão gelatinoso feito a partir da cartilagem das nadadeiras de tubarão e o prato ficou conhecido como “sopa de barbatana de tubarão”. Seu consumo e comercialização mantiveram-se restritos até a dinastia Ming, no século XV, quando um almirante chinês, chamado Cheng Ho, na volta de uma viagem à África, trouxe centenas de quilos de nadadeiras de tubarão que os africanos descartavam em favor da carne. A sopa de barbatana de tubarão ganhou então popularidade e tornou-se um prato muito oferecido nos banquetes formais da elite dominante durante toda a Dinastia Ming.



Quando o Partido Comunista Chinês assumiu o poder em 1949, com Mao Tsé-Tung, a sopa de barbatana de tubarão, sendo uma iguaria apreciada por elites, tornou-se politicamente incorreta durante toda a Revolução Cultural. A desaprovação de seu consumo fez com que o prato ficasse meio esquecido no tempo. Porém, de forma a poder consumi-la dissociando o aspecto elitista, a sopa de barbatana de tubarão passou a ser apregoada como um prato afrodisíaco e tornou-se mais uma dentre as inúmeras aberrações predatórias e criminosas que vemos ao redor do mundo, especialmente no Oriente, como a crença irracional de que partes de animais possam trazer benefícios à saúde do homem ou curar suas doenças. Ainda assim, seu consumo manteve-se relativamente restrito ao mercado “terapêutico”.





A Explosão do Consumo



Tudo mudou no final da década de 1980, quando Deng Xiaoping instituiu reformas econômicas e mudanças culturais que geraram uma nova classe média e uma nova classe alta na China. E essa nova elite passou a buscar maneiras e símbolos de exibir sua riqueza e seu status. Comprar arte (incluindo as peças produzidas pela filha de Deng) foi um caminho. Consumir e oferecer sopa de barbatana de tubarão foi outro meio. A iguaria foi reabilitada, tornou-se um refinado prato da culinária chinesa e seu consumo deu a essa nova elite o sentimento de fazer parte da nova aristocracia chinesa.



Com a globalização e o forte crescimento econômico chinês, em cerca de 10 anos mais de 300 milhões de chineses prosperaram e ascenderam ao grupo dos ávidos por mostrar seu novo status. Assim, a sopa de barbatana de tubarão passou a ser um prato obrigatório na China em quase todas as grandes recepções e banquetes e nas refeições de negócios importantes. O mercado chinês de barbatanas explodiu e a demanda por nadadeiras de tubarão cresceu dramaticamente.





O Finning



A pesca de tubarão, praticada há milênios, sempre foi uma atividade lícita e as nadadeiras eram apenas mais um dos itens a serem aproveitados e comercializados. Um cação de porte médio fornece cerca de 5% a 8% de nadadeiras, 35% de filé, 13% de fígado (rico em óleos, contendo as Vitaminas A e D), 9% de pele (utilizada na confecção de artigos de couro) e 35% de resíduos (transformados principalmente em farinha de peixe para a ração de cães e gatos).



A partir dos anos 1990, para suprir a forte demanda do lucrativo comércio mundial de barbatanas de tubarão, as nadadeiras passaram a ser o objetivo principal e único desse tipo de pesca. Começou aí o que se denomina Finning, a pesca ilegal para obtenção exclusiva das nadadeiras dos tubarões, uma das mais cruéis e perturbadoras perseguições realizadas pelo ser humano. Mesmo que essas nadadeiras fossem diretamente para o prato de crianças famintas, seria um total despropósito. Mas não é para isso que são ceifadas.



Parte do problema advém de dois fatores que se conjugam com a ganância humana: a carne das espécies cujas nadadeiras são muito valorizadas, como os martelos e azuis, alcançam preços baixos no mercado e as embarcações de pesca têm limites físicos de armazenagem. Como a indústria pesqueira obtém em torno de US$ 50.00 por quilo de nadadeira seca ao sol contra US$ 1.50 por quilo da carne de tubarão, que deve ser processada e refrigerada adequadamente no porão da embarcação, fica fácil entender porque o pescador, ao capturar um tubarão, prefere cortar fora suas nadadeiras e atirar seu corpo de volta ao mar. Muitas vezes vivo, mas mortalmente aleijado, o animal afunda para morrer sangrando, comido por outros peixes ou para apodrecer no leito do mar.



Um bom exemplo vem do biólogo e pescador Sergio Jordão, dono da Fisherman do Brasil, indústria de transformação de peixes e frutos do mar, que trabalhava com a carne do tubarão-azul e há quase um ano parou em função do finning. Segundo ele, que acha uma absurdo “a galha valer mais do que o cação”, um “jogo completo” de nadadeiras (1 dorsal, 2 peitorais, 1 anal e 1 caudal inferior) de um tubarão-azul de 40 kg pesa aproximadamente 3,5 kg, que o pescador vende ao atravessador por R$ 75,00/kg. Ou seja, recebe R$ 265,00 pelas nadadeiras, enquanto o “charuto” (corpo sem cabeça e nadadeiras) poderia lhe render no máximo R$ 90,00 (30 kg x R$ 3,00).



Não se tem um número preciso da quantidade de tubarões-azuis capturados em nossas águas, mas nas costas do Havaí o tubarão-azul desaparece ao ritmo de 50 mil animais por ano, capturados exclusivamente por suas nadadeiras. Nos mercados asiáticos, onde o quilo de barbatana do tubarão-azul pode atingir US$ 120.00, a sopa de barbatana de tubarão é vendida nos restaurantes finos, como em Hong Kong, por até US$ 150.00 o prato.



Envolvidos hoje nesse “grande negócio”, atendendo à demanda crescente por barbatanas, cerca de 120 países, incluindo o Brasil, matam 70 milhões de tubarões por ano em todos os oceanos. Espanha, Portugal, Reino Unido e França estão entre as nações TOP 20 responsáveis por 80% da captura global de tubarões. Somente os barcos espanhóis são responsáveis pelo suprimento de 25% das barbatanas vendidas em Hong Kong. Para se ter uma ideia do tamanho dessa demanda, somando-se aos 300 milhões de chineses das classes média e alta, mais de 500 mil chineses já são considerados milionários. E esse grupo enorme de consumidores de sopa de barbatana de tubarão cresce ao ritmo de 10% ao ano.





Os Impactos do Finning



A pesca para obtenção das barbatanas de tubarão é uma ação predatória progressiva, constante e silenciosa. É insustentável e está ameaçando seriamente a sobrevivência das populações de tubarões __ 43% das espécies de tubarões em nosso litoral já estão ameaçadas de extinção. Se nada for feito, dezenas de espécies, cujas populações declinaram em até 90% nos últimos 20 anos, estarão extintas nas próximas décadas.



Significa dizer que em pouco tempo não haverá mais tubarões “produzindo” nadadeiras. Já está mais do que na hora de reavaliar como estamos usando os escassos recursos marinhos para satisfazer nossas necessidades e desejos. Apesar de grandiosos, os oceanos não suportam mais nossos hábitos tradicionais de consumo. Estamos exaurindo as fontes e levando os mares ao limite da sustentabilidade para diversas populações de animais.



A sociedade e nossos governantes precisam entender que os tubarões têm um valor intangível para a Natureza e para os seres humanos. Eles exercem um papel crucial na manutenção da saúde e do equilíbrio da vida nos mares. Sem esses guardiões dos oceanos, teremos um ambiente doente e frágil e os decorrentes desequilíbrios nos ecossistemas marinhos serão imprevisíveis e catastróficos para a humanidade. Mas o valor dos tubarões vivos vai além da questão puramente ecológica ou emocional.





Alternativas Econômicas ao Finning



Um recente estudo australiano demonstrou que, ao longo de sua vida, os tubarões do arquipélago de Palau (que tem legislação banindo o shark finning de suas águas) trazem, por ano, US$ 18 milhões para o turismo de mergulho com tubarões e representam ainda US$ 2 milhões para economia da pequena nação. Ou seja, considerando o aspecto puramente financeiro, um tubarão mantido vivo pode valer milhares de vezes mais do que um tubarão morto. Não é mais concebível que os tubarões acabem futilmente em uma tigela de sopa de barbatana. Temos que rever a forma como aproveitamos economicamente esses “recursos” maravilhosos para não cairmos num buraco sem volta.





A Comprovação do Finning no Brasil



Um recente estudo realizado na Universidade New Southeastern, na Flórida (EUA), analisou o material genético de 177 tubarões-martelo da costa brasileira, do Caribe, do Golfo do México e dos oceanos Pacífico e Índico e confrontou os dados com o DNA de 62 nadadeiras de tubarões da mesma espécie à venda em Hong Kong __ um dos maiores mercados no mundo onde a barbatana de tubarão pode custar até US$ 700 o quilo. O estudo concluiu que 21% das nadadeiras vinham do Oceano Atlântico Ocidental, área que inclui o Brasil. Ou seja, existem pescadores no Brasil participando da pesca ilegal e do tráfico de barbatanas de tubarão.





Legislações e Iniciativas contra o Finning



Brasil – A Portaria do Ibama nº 121/1998 proíbe a rejeição ao mar das carcaças de tubarões dos quais tenham sido removidas as barbatanas e somente permite o transporte a bordo ou o desembarque de barbatanas em proporção equivalente ao peso das carcaças retidas ou desembarcadas. Para efeito de comprovação dessa proporcionalidade, o peso total das barbatanas não pode exceder a 5% do peso total das carcaças. Nos desembarques, todas as carcaças e barbatanas de tubarões devem ser pesadas. Nota: a legislação é boa, mas de difícil emprego, controle e fiscalização.



Estados Unidos – O Congresso americano aprovou em dezembro de 2010 uma nova legislação exigindo que todos os tubarões capturados legalmente em águas norte-americanas devem ser desembarcados com suas nadadeiras íntegras e no corpo do animal. Nota: essa legislação é muito boa e pragmática e serviu de exemplo para nossa campanha.



Hawaii – No início de 2010, o Estado do Hawaii, com o objetivo de banir a sopa de barbatana de tubarão, aprovou uma lei proibindo a posse, venda, comércio e distribuição de barbatanas de tubarão.



Califórnia – No início de 2011, o Estado da Califórnia, como fez o Hawaii, aprovou uma lei proibindo a posse, venda, comércio e distribuição de barbatanas de tubarão.



União Europeia – No início de 2011, por iniciativa da Project AWARE Foundation (ligada à PADI), o Parlamento Europeu endossou uma resolução para banir o Shark Finning, propondo a proibição da remoção das nadadeiras dos tubarões à bordo das embarcações europeias.



Washington – Em maio de 2011, a governadora do Estado de Washington (EUA) assinou uma lei proibindo o comércio de barbatanas de tubarão.



Bahamas – No início de julho de 2011, o governo das Bahamas aprovou uma lei banindo o shark finning de suas águas e proibindo o comércio e exportação de produtos de tubarão. O Arquipélago se juntou a Honduras, Maldivas e Palau, que já têm legislação semelhante.

Ajude acabar com essa Prática Insustentável!



Assine o abaixo-assinado acessando o link http://www.peticaopublica.com.br/PeticaoVer.aspx?pi=P2010N5037



Proteger os tubarões é proteger a vida, é proteger a nós mesmos!



Projeto Tubarões no Brasil (PROTUBA)

Instituto Ecológico Aqualung
Rua do Russel, 300 / 401, Glória, Rio de Janeiro, RJ. 22210-010
Tels: (21) 2558-3428 ou 2558-3429 ou 2556-5030
Fax: (21) 2556-6006 ou 2556-6021
E-mail: instaqua@uol.com.br
Site: http://www.institutoaqualung.com.br



Apoio FUN DIVE

*Marcelo Szpilman, Biólogo Marinho formado pela UFRJ, com Pós-Graduação Executiva em Meio Ambiente (MBE) pela COPPE/UFRJ, é autor dos livros GUIA AQUALUNG DE PEIXES, AQUALUNG GUIDE TO FISHES, SERES MARINHOS PERIGOSOS, PEIXES MARINHOS DO BRASIL, e TUBARÕES NO BRASIL, e de várias matérias e artigos sobre a natureza, ecologia, evolução e fauna marinha publicados nos últimos anos em diversas revistas e jornais e no Informativo do Instituto. Atualmente, Marcelo Szpilman é diretor do Instituto Ecológico Aqualung, Editor e Redator do Informativo do citado Instituto, diretor do Projeto Tubarões no Brasil (PROTUBA) e membro da Comissão Científica Nacional (COCIEN) da Confederação Brasileira de Pesca e Desportos Subaquáticos (CBPDS).

Um comentário:

Mundo Leitor

É um mundo de palavras
rimadas ou não
pensadas, faladas
escondidas no coração

Mundo que é mágico
faz ser real a imaginação
Mundo que sonhei
E cantei numa canção

Mundo que é capaz
de me tirar daqui
Mundo que me dá paz
Pra dentro de mim posso fugir

Neste mundo me encontro
E as palavras me fazem um favor
Aqui eu sempre viverei
Aqui é o meu Mundo Leitor!


Autora: Dâmaris Góes

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