Eu podia ter desenhado seu rosto.
Pensei olhando para o perfil de seu rosto tão branco, tão bem esculpido pela natureza óssea de seus traços. Sim, eu poderia ter tirado um tempo para capturar a imagem numa tela para guardá-la. Fotografias, ah! Deixei que ele ficasse com elas. Ele não me disse nada naquele dia. Apenas guardou-as com uma ponta de tristeza! Eu senti, porque ele achou que eu as desprezava.
Só desprezamos aquilo que realmente nos causa cobiça.
Insistiu-me a idéia da pintura. As tintas teriam adorado seu rosto.
Aquela sua jaqueta de couro velho, empoeirada com o cachecol vermelho e ridículo que você adora usar como adorno, que as pontas saem desfiando no ar aos 100 por hora de sua Harley, seria parte da tela. Seria o óleo e a própria moldura, seria minha assinatura. E quem precisa de lances ou etapas futuristas? As tintas teriam te adorado, e eu não lembrei que aquele inverno chegaria.
O verão se foi tão depressa.
Meu destino se aproximava. No fim da avenida eu já via a rodoviária chegando. Fui buscar os olhos dele para ver o que achava. Ele os tirou de mim, se fugindo como criança que fez algo de errado. E de repente aqueles olhos azuis foram ganhando um brilho, mas um brilho que pela primeira vez não me fez rir. Um brilho casmurro e latente de sentimentos fendidos. E foi naquele instante que cruzei os dedos, tomada por intensa dor: Queria voltar. Não deveria escolher uma faculdade tão longe. Só nos veríamos nos verões, e cada vez teria menos cartas, menos telefonemas, esquecendo nossos rostos, curtindo mundo novo, gente nova, sangue novo, modos novos... Ah, eu não queria! Quem dera se os pneus furassem, se um raio caísse em pleno sol de meio dia sobre o carro e eu não fosse até lá. A voz quis reclamar, confessando que desitiria de de tudo por ele, mas um orgulho bobo não deixou. E foi contra minha vontade que saí do carro quando ele parou. Ele não chorou na despedida. Ele nunca chorava na minha frente, embora eu soubesse que o fazia a sós. Mas eu gostava daquele traço de resignação. Sem dizer nada, olhou para mim, e para o horizonte detrás de mim, tocando minha mão gelada. Tudo que pediu foi que eu mandasse um postal de lá.
Um soluço saiu de minha garganta e ele encostou seus lábios de leve em meu rosto. Segurei a gola de sua jaqueta com força, respirando aquele perfume que me acompanhou durante 360 e tantos dias e o abracei como o último alento. As lágrimas silenciosas começaram a descer.
Mas ele não pode ver, porque entrou no carro e acelerou com tudo, sem olhar pra trás.
Conto escrito ao som de "Stay On these Roads" (A-HA)
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Mundo Leitor
É um mundo de palavras
rimadas ou não
pensadas, faladas
escondidas no coração
Mundo que é mágico
faz ser real a imaginação
Mundo que sonhei
E cantei numa canção
Mundo que é capaz
de me tirar daqui
Mundo que me dá paz
Pra dentro de mim posso fugir
Neste mundo me encontro
E as palavras me fazem um favor
Aqui eu sempre viverei
Aqui é o meu Mundo Leitor!
Autora: Dâmaris Góes