sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Exilado.


Capítulo 2

O homem que veste vermelho


A dois meses Antônia se sentia estranha,estava vendo e enxergando coisas que atormentavam sua alma. Estava vendo gente morta,bichos estranhos rodeando sua casa,como leão negro de três cabeças,mulher com língua de serpente,e um olho mais vermelho que um oceano de sangue e que castigavam e perturbavam sua mente.

E antes disso a pobre Antônia era só mais uma jovem de 20 anos,que cursava sua faculdade de direito para ser alguem na vida,apoiada sempre pelos seus pais. Danilo um caminhoneiro de 43 anos que sempre quis o melhor para sua única filha e Joana uma empregada domestica de 41 anos que sempre achou que sua filha seria seu maior orgulho.

Mas fazia dois meses que essa família era assombrada pelos “delírios” de Antônia,pelo menos era assim que todos os médicos,analistas e psicólogos chamavam o que a pobre Antônia via.

Depois dos pais dela gastarem toda a suas economias em tratamentos e remédios,decidiram apelar para fé. Foram em igrejas,catedrais,templos espiritas. Procuraram em todos os lugares um alivio para sua menina,sua futura advogada,a menina que era o fruto de tudo de bom que eles dois já fizeram em sua modesta vida. Mas não tinham achado ainda uma corda que conseguisse puxa-la do poço tenebroso que ela se encontrava. Até que em um final de tarde, quando eles voltavam em um ônibus de mais um dia ingrato que não tinha resultado em nenhuma ajuda útil para Antônia,uma mulher que já era idosa, encarava a família,via o rosto perturbado,triste e esgotado da pobre garota e os olhos aflitos de dois pais que já perdiam suas esperanças. Comovida com a cena que seus olhos viam ela sentou do lado dos três que estavam no fundo do ônibus. Puxou assunto,como quem não quer nada e uma meia hora depois, aquele casal de pais angustiados se abriram para a gentil senhora que estava ali. Então depois de escutar os dois,ela apenas disse uma frase:

-Para tudo tem uma solução.

E com seus gestos lentos e delicados tirou um pedaço de papel entregou para eles e desceu do ônibus.

No papel tinha um nome seguido com um numero de telefone, “Magnus”,era o nome que estava escrito no papel.

Foi assim que essa família disse que conseguiu me encontrar. Me ligaram desesperados pedindo ajuda,disseram sua história e uma hora depois eu tinha chegado aqui,na porta do prédio deles. Vestindo minha inseparável jaqueta preta que já está branca de tão desbotada, sapatos velhos que são confortáveis e uma calça preta que não impede movimento nenhum das minhas pernas,e uma camiseta branca. Entrei na portaria deserta desse prédio,vi mais uma vez o número do apartamento no papel que eu anotei os dados do casal e procurei o elevador em vão,só tem escadas. Tenho que subir quatro andares de escadas. Já é um bom aquecimento.

Depois de quatro andares de escadas bem chatos chego no apartamento 402.Bato na porta,não esperam nenhum um segundo para eu bater uma segunda vez e já abrem a porta. Essa gente está desesperada mesmo!Quem abriu a porta para mim foi Danilo e só vejo sua mulher ao fundo chorando muito. Ele olha para mim e começa a falar:

-Senhor Magnus?

-Apenas Magnus,deixei as formalidades no meu ultimo emprego.

-Por favor entre. Estávamos aflitos esperando você,a nossa filha Antônia...



Acabo o interrompendo entrando na casa fazendo um pouco de barulho com minha jaqueta desbotada e com o que levo dentro dela e recomeço a falar:

-Não se preocupem,vou fazer o que estiver ao meu alcance para salvar sua filha.

-Muito obrigado,mas por favor nos diga,o que você faz?Ainda não entendemos, só recebemos o bilhete daquela senhora e ligamos para você. Você disse que ajudaria e desesperados dizemos aonde moramos.

-Bem o que vocês fizeram foi algo até meio burro,tem que se admitir muitas pessoas poderiam se aproveitar de vocês e não estou falando no sentido financeiro,estou falando que poderiam aumentar bem mais o problema de vocês,foi sorte o meu telefone ter parado nas suas mãos. Mas para responder sua pergunta eu sou uma pessoa que ajuda gente na situação de vocês,gente atormentada para que depois vocês achem um bom lugar para descansar quando tudo isso acabar. O que vocês verão eu fazer será algo difícil de acreditar,é muito mais do que psicografar uma carta,jogar tarô ou ler a sorte. Farei magia sim,mas é algo que quase ninguém consegue realizar.

Assustados,Danilo e Joana ficaram receosos mas já tinham apostado suas ultimas fichas em mim,um cara que pode parecer homem enigmático,de roupas surradas,cabelo branco e que parece ter a metade da idade deles,”não poderia passar dos 25 anos” deve ser o que eles estão pensando. Bem que o meu rosto pode parecer jovem suficiente para ser até um colega de faculdade de Antônia,isso posso admitir. Joana então secou suas lagrimas e apenas disse para mim:

-Me siga.

Seguindo aquela triste figura,chegamos numa porta no final do pequeno corredor do apartamento da família,ela abriu a porta e me deixou entrar. Então eu vi a pobre garota Antônia com olhos castanhos e muito cansados,a pele cheia de cortes que provavelmente ela deve ter feito no auge de seu tormento. Depois de olhar só para encarar a triste figura da jovem,começo a olha-la com olho clinico,chego mais perto,vejo que seus olhos estão com um leve brilho verde. Coisa que não pode ser natural. Toco a testa dela que está fria,produto do seu suor frio. Me afasto um pouco da menina que agora parece estar vendo alguma criatura. Ela começa a chorar,quase não tem forças para tremer.

Abro minha jaqueta,tiro um vidro de pó preto e Danilo e Joana apenas seguem minhas mãos com os olhos.

-Eles estão atormentando ela nesse exato momento,vou mostrar para vocês o que ela vê,o que está dentro da cabeça de sua filha.

Arranco o lençol que a cobre com um movimento brusco,eles olham assustados para mim,mas não me interrompem,acho que eles deixariam eu fazer o que quisesse,apenas por terem esperanças que vou livrar Antônia do mal que a consome. Isso até me faz lembrar da família do antigo Magnus,depois de arrancar o lençol jogo o pó preto sobre a jovem,começo a esvaziar o jarro em cima dela. O pó vai se espalhando pelo corpo todo de Antônia,ela começa a gritar alto,os pais se assustam mais ainda.

-O que você fez com minha filha?! -Diz Joana gritando e agitada.

-Isso se chama “destacamento” vou destacar as coisas que estão na mente da sua filha de uma forma tão forte que o corpo dela materializará para vocês e para mim o que ela vê. Depois que terminei a frase tirei minha jaqueta desbotada e coloquei apoiada em cima da porta do quarto da jovem,eles abrem a boca de espanto quando seus olhos alcançam minhas marcas que cobrem os meus braços por completo. Parecendo queimaduras,mas o que chama mesmo a atenção deles,é que as queimaduras não são “comuns” parecem uma especia de caligrafia estranha que espanta qualquer um que vê. Então pego o lençol que estava no chão do quarto depois que o joguei para longe da garota e o jogo para Joana e digo:

-Comece abanar,tem que fazer o pó preto levantar!Entendeu? Tem que abanar forte!

Ela apenas sinaliza positivamente com a cabeça. Então eu pego uma lanterna azul em outro bolso e jogo para Danilo e também dou uma instrução para o pai da garota:

-Quando sair alguma coisa dela,você vai ligar a lanterna e iluminar a sua filha,entendeu?!

-Sim,eu acho...

-Isso vai impedir que voltem para o corpo dela




Eu começo a me concentrar,contraio meus músculos e então uma luz azul começa a se apossar dos meus olhos castanhos que um dia já foram brancos como os olhos de todo anjo do céu, depois minhas marcas começam a brilhar também. A luz vai preenchendo minhas marcas aos poucos,ela vai percorrendo um caminho pelos meus braços e os deixando com um brilho azul intenso que preenche todo o quarto de Antônia,então eu digo para Joana:

-Agora!levante o pó preto!

Ela se apreça para abanar o lençol que eu joguei para ela e o pó preto levanta,e ele acaba fazendo a garota tossir forte,cada vez mais forte,cada vez mais. Ela começa a tossir sangue,Joana até faz um olhar como se fosse vacilar agora e tentar socorrer sua filha mas eu digo:

-Não pare por nada no mundo! Se você quer sua filha de volta!

Então a garota começa a vomitar sangue,e no meio do sangue saem ovos,três ovos verdes. Os ovos se quebram quando caem no chão do quarto. De um começa a sair,um leão feio de três cabeças que cresce até ficar do tamanho de um leão de verdade daqueles que se vê na TV, de outro ovo saiu um globo feio vermelho,nojento que depois aparenta ser um olho vermelho,que vai crescendo até tomar o tamanho de uma bola de basquete e do ultimo ovo sai uma bebê estranho que vai crescendo até virar um mulher com língua de serpente com pele verde . Me apresso para instruir o Danilo:

-Agora ilumine sua filha!

Não foi preciso dizer duas vezes,ele ligou a lanterna e saiu um cone de luz azul que envolveu Antônia,quase do mesmo jeito que a luz de minhas marcas me envolvem. E na primeira vez em dois meses a pobre garota expressou alivio em seu rosto quando sentiu o calor daquela luz acolhedora em sua pele. Mas agora eu tinha que me concentrar nas três criaturas que começavam a feder e a gritar,olhavam para os pais de Antônia já que eles eram os únicos que não brilhavam no ambiente. O leão foi o primeiro a tentar atacar Joana,mas com um movimento rápido eu puxei uma adaga de meu bolso,o acertei no pescoço,ele caiu no chão como se estivesse preso e ficou rugindo. O olho vermelho veio pra cima de mim,em quanto a mulher com língua de serpente tentava atacar Danilo. O olho solta um jato vermelho de um liquido que lembra sangue em mim,não consego desviar e acerta meu pescoço,acaba se formando uma queimadura e até sai uma leve fumaça na ferida,isso dói um bocado!Mas não posso me preocupar com a dor agora. Agarro o globo com um dos meus braços,meus dedos iluminados com a luz azul o ferem,então com meu outro braço soco o bicho que acaba explodindo e emanando uma luz vermelha como uma pequena explosão que leva todos que estão ao redor para trás,até a mulher verde que ia atacar Danilo,só Antônia que está sobre a luz da lanterna não é atingida pelo impacto. Percebo que a luz falha,Danilo deixou a lanterna cair quando foi acertado pela explosão. A mulher de pele asquerosa quer voltar para o corpo de Antônia,ela investe contra a jovem. Eu salto rápido em quanto ela tenta voltar para cama e a agarro pelos pés com minhas mãos. Nós dois caímos,ela se debate e começa a me atacar com suas mãos verdes que tem unhas grandes e afiadas. Fica me fazendo vários cortes,mas eu resisto,tento espremer suas pernas fazendo força com meus braços,ela urra de dor,a minha luz azul a fere. Então dou um soco em sua coxa,escuto um estalo e então ela se contorce no chão. Levanto,sei que ela continuará caída. A seguro pela cabeça,a boca dela abre e sai aquela serpente que até me pega desprevenido,mas ela não consegue me alcançar fica a dois centímetros do meu corpo,sei que se ela me mordesse eu cairia no chão e teria convulsões por um bom tempo. Agarro sua língua e a arranco com as mãos. Quando faço isso,a mulher de língua de serpente e pele verde explode e atinge todos ali com impacto semelhante ao olho vermelho,inclusive Antônia que dessa vez estava sem a proteção da lanterna.



Joana e Danilo estão parados,horrorizados sem saber o que dizer. Acabaram de testemunhar a cena mais bizarra que já viram nas suas vidas de mortais. Olhavam para mim,para o leão que continuava preso ali no chão do quarto de sua filha,e então como se eles voltassem a realidade,viram sua filha na cama com olhos fechados,calma,com uma expressão tão leve,estava dormindo. Parecia estar tendo um sonho bom depois de muito tempo. Na mesma hora esqueceram a lanterna,o lençol, o leão preso pela adaga no chão,só queriam ficar ali no pé da cama de sua filha e admirar a beleza do fruto da vida de amor do casal.

-Ei...Ainda não acabou tá! -falei.

-Ainda tem esse leão aqui,eu o prendi,mas ainda não dei um jeito definitivo nele.

-Por favor acabe com esse demônio! -gritou Joana aflita segurando a mão de sua filha.

-Sinto desaponta-la mas essas coisas aqui não são demônios,demônios tem aparência de humanos como eu ou você,isso aqui são bestas,criaturas criadas a partir de magia negra. A filha de vocês foi alvo de um ritual negro. Vou acabar com essa coisa,mas preciso da ajuda de Antônia depois.

Joana e Danilo ficaram espantados,Antônia foi atormentada por magia negra!Seria alvo de alguma macumba?!Será que eles ou ela arrumaram um desafeto tão poderoso assim em algum lugar e não sabiam?!Seria a vizinha que tinha fama de macumbeira e que morava no segundo andar?!Ou seria alguma colega de Antônia na faculdade?!Seria algum colega de trabalho deles?!Todas teorias que não passavam de ideias erradas e bobas de gente que não conhecia o mundo da magia,o mundo das trevas,mas eu teria que descobrir o responsável pelo tormento de Antônia essa é minha obrigação! Eu fiz dessa minha obrigação ,desde de o dia que a injustiça chegou ao Céu e o antigo Magnus virou uma pobre vitima.

Eu me voltei para o leão cativo no chão do quarto,que está preso com minha adaga,a algum minutos ele tinha parado de rugir,ele só olha pra mim com olhos verdes,olhos de um felino das trevas,produto de forças que fogem de tudo que é natural,pelo menos natural nessa terra,nesse plano. Eu seguro minha adaga que está instalada bem no pescoço da fera,meus braços ainda iluminados a seguram com força e firmeza,eu me concentro e fecho os olhos. A luz azul de meus braços passa a iluminar também meu punhal,a fera grita de dor,um som descomunal sai dali,Joana e Danilo se espantam,Antônia ainda nem acordou,ainda sonha,nem conseguirá acordar por agora de algum jeito natural,o corpo e a alma dela estão muito cansados. Depois que o brilho chega no punhal,eu o giro rápido dentro da ferida do leão e ele explode,e um terceiro impacto joga todos ali para trás.

A terceira besta explode. O casal suspira aliviado e cansado,eu me volto para eles e digo:

-Agora preciso acordar Antônia,para saber quem fez isso com ela...

Pensei até que eles iriam me deter falando que ela estava cansada,mas nenhum deles protesta,até que Danilo diz:

-Acaba com o safado que fez isso com minha filha por favor!

Depois de escutar isso do pai da jovem,eu me volto para meu casaco,tiro uma caixa de madeira ali,bem pequena,um pouco maior que uma caixa de fósforos. Tiro um vidro pequeno com um liquido dourado e digo:

-O nome desse liquido é lagrima de anjo,é feito para revigorar uma alma castigada. Uma poção fortíssima,vai ajuda-la.

Pego na cabeça de Antônia e a puxo para trás levemente,e despejo a poção na sua boca. Subitamente seus olhos abrem e ela acorda assustada. Tenho que ser rápido em perguntar,não sei por quanto tempo ela ficará acordada hoje

-Antônia meu nome é Magnus,eu te curei,é muito importante que você me diga. Qual foi a ultima coisa que você se lembra antes dos tormentos?

Ela olhava pra mim bem desorientada,via eu e seus pais ali na sua frente depois de dois meses de torturas tenebrosas, fazia força pra falar

-Tá tudo confuso...A ultima coisa que eu lembro é andar na rua,ser chamada por um homem vestido de vermelho. Correr dele...Ele tinha uma voz estranha sedutora...Mas fiquei com medo...Ele tinha olhos de gato....Era terrível olhar pra ele...É a ultima coisa que eu lembro!

Depois dela dizer isso com extrema dificuldade juntando ar para formas as palavras, desmaiou mais uma vez. Os pais ficaram preocupados e Joana perguntou:

-Você não tinha dado o remédio para ela?!Ela tinha que estar boa!

-Aquilo não foi um remédio definitivo,foi só para ajudar,ela vai ficar fraca por dias,só tentei juntar as forças dela por um curto período de tempo para ela me falar sobre quem fez isso com ela,como foi que começaram essas alucinações?!

-Ela tinha chegado da faculdade de noite,pálida,distraída,quando foi dormir que começou a gritar com pesadelos e ai começou tudo isso -dizia Joana.

-Hum. Pelo menos já tenho uma pista de que fez isso. Antônia ficará bem. Ela deve dormir entre três a dez dias sem parar o corpo dela está muito castigado,não se preocupem é normal,depois desse período ela voltará a se sentir bem e a fazer tudo que fazia antes. Agora preciso ir.

Peguei minhas coisas e minha jaqueta desbotada,sem nem esperar eles agradecerem ou fazerem outras perguntas,já tinha esclarecido o que eles precisavam escutar agora só preciso achar o homem que veste vermelho e tem olhos de felino.


Continua...



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Mundo Leitor

É um mundo de palavras
rimadas ou não
pensadas, faladas
escondidas no coração

Mundo que é mágico
faz ser real a imaginação
Mundo que sonhei
E cantei numa canção

Mundo que é capaz
de me tirar daqui
Mundo que me dá paz
Pra dentro de mim posso fugir

Neste mundo me encontro
E as palavras me fazem um favor
Aqui eu sempre viverei
Aqui é o meu Mundo Leitor!


Autora: Dâmaris Góes

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